O Lobo-do-mar
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O Lobo-do-mar

Jack London, Monteiro Lobato

  1. 295 pages
  2. Portuguese
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O Lobo-do-mar

Jack London, Monteiro Lobato

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O jovem Humphrey van Weyden é salvo de um náufrago pela escuna Ghost. Porém, ele logo compreende que seu pesadelo está apenas começando: o capitão Wolf Larsen o obriga a integrar a tripulação de seu navio! A bordo, ele vivencia a árdua rotina dos marujos e a tirania imposta pelo capitão.Através desse romance presencia-se o embate entre o mundo primitivo da tripulação e a civilidade do jovem refém. Essa obra foi adaptada inúmeras vezes para o cinema, destacando-se o filme "O Lobo do Mar" (1913), que conta com a atuação do próprio escritor Jack London, e a minissérie homônima produzida em 2009.-

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Information

Publisher
SAGA Egmont
Year
2021
ISBN
9788726621556

Capítulo III

L obo Larsen parou de blasfemar tão de súbito como principiara. Reacendeu a ponta do charuto e correu os olhos em torno, detendo-os no cozinheiro.
– Então, cozinheiro? – começou ele com suavidade fria e cortante como o aço.
– Às ordens, capitão – apressou-se em responder o londrino, todo mesuras e servilidade.
– Não parece que já esticou muito esse pescoço de ganso? Isso é mau. O contramestre lá se foi e não posso perder também a você. Cuidado com a saúde, cozinheiro. Compreende?
A última palavra, em frisante contraste com a maciez das anteriores, vibrou como ponta de chicote. O londrino encolheu-se.
– Perfeitamente, senhor – murmurou ele, enquanto a sua obscena cabeça desaparecia na copa.
Aquela ríspida chicotada, que o cozinheiro tão inocentemente provocara, fez o resto da tripulação mostrar-se desinteressada da cena mortuária e retomar o trabalho. Alguns dentre eles, porém, demoraram-se pelo portaló, entre a escotilha e a copa, continuando na prosa em que estavam. Vim a saber depois que eram os caçadores de focas, homens duma casta superior ao marinheiro comum.
– Johansen! – chamou Lobo Larsen.
Um marujo avançou, obediente.
– Tome a agulha e costure esse estupor. Veja uns pedaços de lona velha no depósito. Ande.
– Devo amarrar-lhe aos pés, senhor? – quis saber o marinheiro.
– Veremos depois – foi a resposta de Lobo Larsen, que logo em seguida gritou pelo cozinheiro. Tomás Mugridge instantaneamente assomou à porta da copa, qual boneco de mola que salta da caixa.
– Vá lá embaixo e encha um saco de carvão – ordenou Lobo Larsen; e voltando-se para os caçadores: – Algum de vocês possui uma Bíblia, ou livro de rezas?
Os caçadores abanaram a cabeça, sendo que um deles fez uma observação jocosa, que me escapou mas fez romper uma surriada de risos.
Lobo Larsen repetiu a pergunta aos marinheiros. Bíblias e livros de rezas pareciam coisas raras, e um que saiu correndo em procura logo voltou sem nada.
Lobo Larsen deu de ombros.
– Nesse caso vai para a água sem palavreado – disse ele –, a não ser que o nosso náufrago, que parece padre, faça o serviço fúnebre de cor.
E, vindo postar-se diante de mim, perguntou:
– Você é padre, não é?
Os caçadores de focas – uns seis – voltaram os olhos para o meu lado. Senti a impressão penosa de estar sendo objeto de curiosidade, qual espantalho.
Uma risada geral comentou minha atitude, uma risada que a presença do morto, com aquela careta tétrica, não fazia esmorecer – risada bárbara, rude e franca como o próprio mar, brotada de sensibilidades rudimentares, das que ignoram o que seja cortesia ou elementar gentileza.
Lobo Larsen, porém, não se riu, embora seus olhos cinzentos luzissem, divertidos; e como nesse momento me aproximasse dele, recebi minha primeira impressão do homem em si, do homem à parte do corpo e da torrente de blasfêmias que lhe ouvira de pouco. A cara, quadrada e maciça, deixava entrever, do mesmo modo que o corpo, algo mais que a força bruta. Deixava entrever escondida lá dentro uma força mental tremenda, excessiva mesmo. As maçãs do rosto, o queixo e as sobrancelhas altas, tudo, apesar de brutal no aspecto físico, deixava transparecer um imenso vigor, uma inaudita virilidade de mente. Impossível auscultar aquele espírito, como impossível classificar aquela natureza com base em outros tipos humanos.
Os olhos eram grandes e belos, bem distanciados e abrigados por espessos cílios e negras e fortes sobrancelhas. As pupilas tinham um tom cinzento enganador, como o de certas sedas ao sol – às vezes cinzento escuro, às vezes claro, às vezes tocado a verde, às vezes do azul límpido do fundo do mar. Olhos que mascaravam a alma com mil disfarces e a espaços se abriam, permitindo que ela saísse para lançar-se pelo mundo nalguma aventura maravilhosa. Olhos que marasmavam com a desesperadora soturnidade dos céus de chumbo; que deitavam chispas como as que brilham num volteio de espada; que enregelavam qual a paisagem antártica; olhos que aqueciam e afagavam e eram toda uma dança de luzes de amor, intensa e máscula, fascinadora e dominadora – que fascinavam e ao mesmo tempo dominavam as mulheres até tê-las rendidas, em assomos de alegria, alívio e sacrifício.
Respondi-lhe que, infelizmente para o caso, eu não era padre. Mal concluí minha resposta, Lobo Larsen perguntou-me de chofre:
– Que é que faz, para viver?
Confesso que nunca me haviam posto semelhante pergunta, nem eu a julgara possível. Fiquei indeciso, e foi ainda tonto que respondi:
– Eu… eu sou um gentleman.
Seus lábios crisparam-se sarcasticamente.
– Sempre trabalhei e trabalho – acrescentei com ímpeto, como se ele fosse um juiz a quem eu solicitasse reconhecimento dos meus direitos, e ao mesmo tempo como se eu estivesse perfeitamente certo da minha idiotice em discutir o assunto.
– Para viver? Trabalha para viver?
Havia algo tão dominador em seu aspecto que fiquei na situação de um menino de escola diante do mestre.
– Quem é que o sustenta?
– Tenho rendas – respondi com firmeza – mas… creio que isto nada tem que ver com o motivo que me traz à sua presença, se me permite falar assim.
O capitão não deu tento à réplica.
– Quem o sustenta? – insistiu. – Quem conquistou essa renda? Seu pai, com certeza, e você vive sobre as pernas dum homem já falecido. Nunca obteve nada pelo esforço próprio. Não sabe cavar a vida, se o largarem só. Deixe-me ver as mãos.
Sua tremenda força adormecida despertara de ímpeto – ou eu caí em coma por um instante. O que sei é que Lobo Larsen avançou para mim dois passos e, agarrando-me a mão, inspecionou-a. Tentei retirá-la, mas seus dedos apertaram-na sem visível esforço, embora eu me sentisse como que esmagado em tenaz de aço. É difícil manter-se a dignidade em ocasiões tais. Eu não podia queixar-me, nem reagir, tal qual o menino de escola diante do mestre severo. Nada mais me restava senão ficar quieto e aguardar humilde o que viesse. Entrementes notei que os bolsos do morto haviam sido despejados no chão e que o seu cadáver fora envolvido em lona velha; Johansen a estava costurando com barbante.
Com um esgar de desdém, Lobo Larsen soltou por fim minha mão.
– As mãos do morto (referia-se a meu pai) conservaram as suas macias. Você só serve para lavar pratos e ajudar na cozinha.
– Eu quero ser desembarcado – declarei com voz já firme, agora que ia voltando ao controle de mim mesmo. – Pagar-lhe-ei o que me pedir pelo incômodo que estou dando.
Larsen enfitou-me com olhos cheios de zombaria.
– Para bem da sua alma, tenho uma contraproposta a fazer – disse ele. – Meu contramestre foi-se e já promovi outro marinheiro para o lugar. Você tomará o posto desse marinheiro, recebendo vinte dólares por mês. E acabou-se. Que me diz agora? Note que é para bem da sua alma. Será o início da sua reconstrução. Aprenderá a caminhar sobre as próprias pernas, embora cambaleie um pouco no começo…
Minha atenção já não estava ali. As velas do barco que aparecera a sudoeste vinham se evolumando. Uma escuna igual à Ghost, embora de casco menor. Tinha boa aparência e voava em nossa direção. O vento recrescia e o sol, depois de queimar-nos por mais alguns momentos, desaparecera. O mar, como de chumbo, encrespava mais e mais, projetando cristas de ondas para o céu. Vogávamos com maior velocidade e com maior jogo do navio. Em certo momento o barco adernou tanto que uma toalha d’água varreu o convés, fazendo dois caçadores de focas erguerem rápidos as pernas.
– Aquela embarcação vai passar rente de nós – disse eu depois de uma pausa. – E ao que vejo dirige-se para São Francisco.
– Muito provavelmente – foi a resposta de Lobo Larsen, afastando-se de mim e gritando: – Olá, cozinheiro!
A cabeça do londrino surgiu fora da copa.
– Onde está aquele rapaz? Diga-lhe que quero vê-lo.
Depois do “sim, senhor”, Mugridge saiu a correr e sumiu-se pela escada abaixo. Momentos depois voltava seguido de um rapaz corpulento, aí de dezoito ou dezenove anos, de má catadura e que arrastava os passos.
– Aqui está ele, capitão – disse o cozinheiro.
Lobo Larsen voltou-se para o rapaz.
– Qual é o seu nome?
– George Leach, senhor – foi a resposta surda, e sua atitude bem que mostrava saber ele a razão do chamado.
– Não é nome irlandês – disse o capitão. – O’ Toole ou Mac Carthy ficaria melhor a esse focinho, pois que algum irlandês deve ter enganado seu pai.
Vi as mãos do rapaz se crisparem ante aquele insulto, ao mesmo tempo que o sangue lhe subia às faces.
– Mas deixemos isto – prosseguiu Larsen. – Você deve ter muito boas razões para esquecer o verdadeiro nome, e eu não o estimarei menos por isso, enquanto andar direito. Telegraph Hill é, com certeza, o seu porto de matrícula, não? Estou lendo-o nessa cara indecente. Conheço a espécie. Pois muito bem, neste meu navio você perderá essas marcas. Quem foi que o embarcou, afinal de contas?
– MacCready e Swanson.
– “Senhor”! – berrou Lobo Larsen.
– MacCready e Swanson, senhor – corrigiu o rapaz, com os olhos em fogo.
– Quem recebeu o dinheiro adiantado?
– Eles mesmos, senhor.
– Logo vi. E você ficou todo satisfeito de eles terem feito isso. Não devia ter-se aliviado do dinheiro tão depressa, havendo, como há, uns tantos cavalheiros que andam na sua pista…
Aquela alusão transformou o rapaz num selvagem. Seu corpo encolheu-se como para um bote de fera acuada.
– Isso é uma…
– Uma, quê? – rosnou Larsen com voz suavemente cortante, onde se denunciava insopitável curiosidade de ouvir a palavra não proferida.
O rapaz hesitou; depois, dominando-se:
– Nada, senhor. Retiro o que disse.
– E prova com isso que eu tinha razão – rosnou Larsen com um sorriso de vitória. Depois: – Que idade tem?
– Dezesseis completos, senhor.
– Mentira! Você não verá nunca mais os dezoito. E está encorpado para essa idade, com semelhante musculatura de cavalo. Embrulhe a sua tralha e vá para o castelo de proa. Fica sendo marujo. Está promovido, compreende?
Sem esperar que o rapaz respondesse, Larsen voltou-se para o marinheiro que costurava o cadáver nas lonas velhas.
– Johansen, conhece alguma coisa da navegação?
– Nada, senhor.
– Pouco importa. Fica sendo o meu contramestre. Leve a sua tralha para a cabine do imediato.
Johansen grunhiu uns alegres sons de resposta e moveu-se dali, enquanto o rapaz de momentos antes permanecia no mesmo ponto do convés, como que atarraxado ao solo.
– Que está esperando? – gritou-lhe Lobo Larsen.
– Eu não me engajei como marujo – senhor – disse ele. – Engajei-me como servente de cabine. Não quero ser marujo.
– Arrume a trouxa e ande! – berrou Larsen em voz de comando, singularmente imperiosa. O rapaz pestanejou, mas permaneceu onde estava.
Isso provocou nova explosão da impulsividade do capitão. Coisa instantânea, pois ocorreu no espaço de dois segundos. Dum salto de dois metros projetou-se contra o rebelde e afundou-lhe um tremendo murro na boca do estômago. Senti esse murro em meu peito, e hoje noto o fato para mostrar como eu era sensível naquele tempo e pouco afeito à vida bruta. O rapaz dobrou-se em dois, apesar dos 75 quilos que pesava, tal o pano molhado que se dobra ao choque dum bastão. Viu-se erguido no ar e projetado por terra, perto do cadáver, onde ficou a estorcer-se em agonia.
– Então? – rosnou Lobo Larsen voltando-se para mim. – Já se decidiu?
Volvi os olhos para a escuna que não estava a mais de 200 metros à nossa frente. Era um barco asseado e bonito. Pude ver um número negro em uma das velas, as quais me lembraram certos desenhos de barcos-pilotos.
– Que navio é aquele? – perguntei.
– O barco-piloto Lady Mine – respondeu Larsen carrancudamente. – Libertou-se dos pilotos e volta para São Francisco. Deve chegar lá dentro de cinco horas, se o vento conservar-se como está.
– Quer fazer-me o obséquio de sinalar para ele, indagando se podem levar-me para terra?
– Lamento muito, mas perdi o código de sinais que existia a bordo. – E essa resposta pilhérica fez rir a vários caçadores de focas.
Reagi por uns instantes, fixando meus olhos nos do capitão. Eu tinha visto a fúria do tratamento dispensado ao rapaz e estava certo de que igual ou pior me estaria reservado, se eu resistisse. E no espasmo dessa reação heróica pratiquei o ato que considero o mais louco da minha vida. Corri à amurada e acenei para a escuna, gritando:
Lady Mine! Olá! Tomem-me a bordo! Pagarei mil dólares, se me põem em terra.
Esperei a resposta, com os olhos em dois homens que estavam na roda do leme. Um deles tomou um megafone e o levou à boca. Não me movi. Não tirei os olhos do megafone, embora esperando a cada momento, pelas costas, um murro semelhante ao que levara Leach. O bruto já devia estar de bote armado. Por fim, depois de instantes que me pareceram séculos, atrevi-me a olhar para trás, uma vez que o murro demorava. Larsen não se movera do lugar. Continuava na mesma posição, gingando ao balouço do barco e acendendo ...

Table of contents

  1. O Lobo-do-mar
  2. Copyright
  3. Capítulo I
  4. Capítulo II
  5. Capítulo III
  6. Capítulo IV
  7. Capítulo V
  8. Capítulo VI
  9. Capítulo VII
  10. Capítulo VIII
  11. Capítulo IX
  12. Capítulo X
  13. Capítulo XI
  14. Capítulo XII
  15. Capítulo XIII
  16. Capítulo XIV
  17. Capítulo XV
  18. Capítulo XVI
  19. Capítulo XVII
  20. Capítulo XVIII
  21. Capítulo XIX
  22. Capítulo XX
  23. Capítulo XXI
  24. Capítulo XXII
  25. Capítulo XXIII
  26. Capítulo XXIV
  27. Capítulo XXV
  28. Capítulo XXVI
  29. Capítulo XXVII
  30. Capítulo XXVIII
  31. Capítulo XXIX
  32. Capítulo XXX
  33. Capítulo XXXI
  34. Capítulo XXXII
  35. Capítulo XXXIII
  36. Capítulo XXXIV
  37. Capítulo XXXV
  38. Capítulo XXXVI
  39. Capítulo XXXVII
  40. Capítulo XXXVIII
  41. Capítulo XXXIX
  42. Sobre O Lobo-do-mar
  43. Notes
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APA 6 Citation

London, J. (2021). O Lobo-do-mar ([edition unavailable]). SAGA Egmont. Retrieved from https://www.perlego.com/book/3249124/o-lobodomar-pdf (Original work published 2021)

Chicago Citation

London, Jack. (2021) 2021. O Lobo-Do-Mar. [Edition unavailable]. SAGA Egmont. https://www.perlego.com/book/3249124/o-lobodomar-pdf.

Harvard Citation

London, J. (2021) O Lobo-do-mar. [edition unavailable]. SAGA Egmont. Available at: https://www.perlego.com/book/3249124/o-lobodomar-pdf (Accessed: 15 October 2022).

MLA 7 Citation

London, Jack. O Lobo-Do-Mar. [edition unavailable]. SAGA Egmont, 2021. Web. 15 Oct. 2022.